Monday, October 29, 2007

A jornada noturna dos meus vinte anos

Fazia frio na jornada noturna em que eu adentraria à casa dos 20 anos bem-aventurados da minha espécie. Uns 5 graus. Lembro-me que Lex, companheiro-mor dos lotes pampeanos, me importunava em sua necessidade de terminar um trabalho de final de semestre em que aos alunos a professora delegou a missão de entrevistar um professor de ensino médio da rede pública. Ele, pra variar, fabulou uma entrevista com um tal de Ramiro ou pseudônimo do tipo, que agora não lembro, mas que tratava-se de um personagem existente nos devaneios de outro colega nosso do curso, o Paulista, que por sinal compactuou com esta entrevista, e urdiu a sua a partir de um outro personagem – este existente no imaginário lexeano. Eu, na verdade, tinha também dois trabalhos pendentes, que me custariam muito ordená-los, mas que por acordos bilaterais com meus pais consegui solucioná-los. Terminado o serviço pesado, fomos a um restaurante mexicano provar alguns tacos e receitas ardilosas que muito a nós naquele dia invernal pareceu supimpa. Acompanharam-nos duas damas, Madelaine Mooney, gringa yanqueeana apreciadora da geração beat, e minha digníssima concubina Marlene Dresslen, alemã ardilosa do leste. Não foi lá essas coisas todas, mas o jantar me saiu de graça. Minha querida amiga yanquee, com sua fortuna espiritual, me salvou de mais uma despesa na fatura do meu credit-card. Disse que se tratava de um presente. Ótimo. Depois, quando nos despedíamos, Marlene me presenteou com um pingente que tinha um elefante feito à pedra que ela havia ganhado de sua avó. Entendi aquele gesto como de muito afeto e carinho. Na verdade, ela tava meio aérea durante o jantar, e eu não comentei nada. Quando ela me entregou aquele pingente, eu realmente não esperava, mas depois lembrei que havia comentado com ela que aquele elefante me emanava uma coisa boa, uma idéia de ciclo e de vida próspera. Definitivamente, não fiz caso. Envolvi-a docemente em meus braços, e suspirando nos seus ouvidos, lhe disse:

- Esse elefante é o sinal da gente, é a nossa semente. O mundo é nosso, honey.

Apliquei minha última vacina canalhesca com um “Danke!”, que em alemão significa obrigado. Ela ficou louca. Beijou-me ferinamente. Despedimo-nos e elas seguiram num táxi. Aí voltei ao meu insólito apartamento acompanhado de Lex, e contei pra ele que minha prezada companheira de amor louco, Paz D´Assunção, lusitana coimbrense, havia me ligado durante o jantar, e por isso pedi licença para ir ao banheiro. Ela me cantou um dos seus fados, e me congratulou pela data festiva. Adorei. Fiquei felicíssimo. Lex se acabou em gargalhadas diante da minha cretinice.

Aí que nos chega Maria, amiga fiel das horas de todos os tempos. Traz-nos uma garrafa de cachaça da pior qualidade, e misturamos junto às outras bebidas de menor teor alcoólico. Enveredamo-nos pela noite entre conversas desconsoláveis, e devaneios perdidos. Eis que Lex em sua voz rouca e eloqüente, nos abre a porta da madrugada com versos de Cortázar. Descemos as escadas e surgimos sobre a cinzenta fatia da noite que nos castigava de frio. Maria, em sua lucidez trágica, inicia a correr pelas ruas como uma espécie de maratonista queniana do Sul. Eu e Lex, olhamo-nos surpresos, e depois de um breve e maldito comentário meu, caímos ao riso. Ele bate em meu ombro, e com a outra mão passa-me a garrafa de cachaça.

- Toma aí, che!

Olho para o sacana, e com ar de mais velho, lhe digo:

- Vamos correr também?