Monday, March 17, 2008

Gente

A gente que mergulha nas valas desta lida
E jogado ao ralo acompanha o coração,
A gente que leva uma vida bandida,
Que sente a dor de um samba-canção,
A gente que come arroz, feijão,
Que toma cachaça, cerveja, tequila,
A gente que ama, que se desespera,
Que se entrega, que também está à espera,
A gente que não sabe dizer eu te amo ao próprio pai,
Que tem medo da morte,
Que tem medo de errar, de amar,
A gente que não conta com a sorte,
Que vive sem reclamar,
A gente assim,
Assim vai fazendo da vida
O que ela anseia encontrar.

Há gente que quer mudar o mundo,
Há gente que gosta de estudar,
Há gente que não quer mais ser tachado de vagabundo,
E há gente que quer mesmo vadiar,
Há gente de tudo que é tipo,
De tudo que é cor,
Só não acho bonito
Esse pobre discurso do meu professor,
“Só os aptos sobrevivem ao meio”, Charles Darwin.
Mas como vivem os inaptos,
Onde tudo é meio,
E nada é início, nada é fim?

Sou gente como a gente,
Que vive na coça do presente,
Que teve início e terá fim.
Mas que nada de nada em nada
Me diz muito,
Como o muito
Que de mim agora afaga
Toda a tristeza do dia,
Que de mim a aurora faz-se cercania.

Sou gente como a gente,
Que sente a dor poente
Do sol
Se encravando na escuridão das horas,
Amanhecendo no rol
Das memórias de um tempo
Ah! Ausente.

Sou gente como a gente,
Que tem tudo pra ser alguém mais agradável,
E mesmo com tanta informação,
Não leva uma vida saudável.

Sou gente como a gente,
Triste, feliz, livre, doente...
O PIB bateu recorde, e eu aí pra ele?
E ele aí pra mim?
Meu país tem 60 milhões de pessoas na miséria
E minha vizinha Dona Etéria acredita que a vida vai melhorar.

Pois é, quem dera de Kardec ter lembrado da gente,
Ou Hórus, ou Buda, ou Cristo, ou os vegetais...
Deus assim nessas horas falta,
E a falta de água aqui em casa continua...
Pra ser exato são cinco dias e doze horas em que a rua toda não é abastecida.

Tá, tá! Melhor é esquecer.
Quê que a gente pode fazer?
Ir em frente e clamar justiça?
“A missa já vai começar irmão!”
E Deus me chama...

Sou gente como a gente,
Besta, fiel, crente...
A vida acena e assente,
Condena com expressão contente.

Sou gente como a gente,
Que fura o olho,
Que fura a casa,
Que têm em vista,
Que não tem nada.

Sou gente como a gente,
Que toma um gole,
Que é presa fácil
Que puxa o fole,
Que vai ao compasso...
Das vozes e consciências do todo,
Da nobre subserviência que a cada dia me joga ao lodo.

Sou gente como a gente,
Que não tem mais que um porquê,
Encontrar uma companheira, me ajuntar e ter filhos,
Viver com o que dá,
Bater uma gelada,
Jogar minha pelada
E um dia, quem sabe,
Fazer mais que um gol.