Monday, August 18, 2008

Quebremos o quebranto!

Houve um tempo
Em que eu era palhaço
E você platéia

Houve um tempo
Em que eu apressava o passo
Mas você confrontava idéia

Houve um tempo
De brincar de bola
De colher a lenha

Houve um tempo
De pisar na sola
De contar resenha

Houve um tempo
De ser muito criança
Houve um tempo
Remoto de esperança
- este que afluiu,
assim como um rio
que deriva em sua pujança.

Ah! Meu caro,
Houve um tempo
E haverá muitos outros,
Sempre,
Porque os outros
É que nos faz inteiro,
E aqui, ligeiro,
Me entrego ao tempo da gente,
Do qual espero
Um sol poente
Pra iluminar
E desfazer nossa contradição.

(Quebremos o quebranto!)

Friday, April 11, 2008

o tempo das tolices

essa coisa tola de afastar as crianças da sala
e não as deixar ouvir Like a Rolling Stone
e achar perigoso quaquer verso dos Mutantes
e reprimir a menina com seu all-star bem blue...
essa coisa tola de não andar mais com os amigos da juventude
e parar num boteco e gritar "puta que o pariu! caralho!"
e não brincar mais com o sobrinho
e só falar sobre trabalho...
essa coisa tola de não dançar mais um xote,
e não prestigiar um grupo pé-de-serra num bar da capitá,
e não dar bom dia ao mestre de obras do seu apartamento
e não fazer gracinha com a sua vizinha...
essa coisa tola de não tocar mais Gonzaguinha
de sempre querer mais,
de comprar o carro do ano,
e se exibir para os demais

essa coisa tola de achar que tudo é comum,
que tudo é natural,
que todos estão te enganando
e só você que se dá mal...
essa coisa tola,
ah! essa coisa tola.
essa coisa tola é coisa do tempo
do tempo das tolices,
dos tolos
sem sonho
sem ouro.

ah! essa coisa tola.

Monday, March 17, 2008

Gente

A gente que mergulha nas valas desta lida
E jogado ao ralo acompanha o coração,
A gente que leva uma vida bandida,
Que sente a dor de um samba-canção,
A gente que come arroz, feijão,
Que toma cachaça, cerveja, tequila,
A gente que ama, que se desespera,
Que se entrega, que também está à espera,
A gente que não sabe dizer eu te amo ao próprio pai,
Que tem medo da morte,
Que tem medo de errar, de amar,
A gente que não conta com a sorte,
Que vive sem reclamar,
A gente assim,
Assim vai fazendo da vida
O que ela anseia encontrar.

Há gente que quer mudar o mundo,
Há gente que gosta de estudar,
Há gente que não quer mais ser tachado de vagabundo,
E há gente que quer mesmo vadiar,
Há gente de tudo que é tipo,
De tudo que é cor,
Só não acho bonito
Esse pobre discurso do meu professor,
“Só os aptos sobrevivem ao meio”, Charles Darwin.
Mas como vivem os inaptos,
Onde tudo é meio,
E nada é início, nada é fim?

Sou gente como a gente,
Que vive na coça do presente,
Que teve início e terá fim.
Mas que nada de nada em nada
Me diz muito,
Como o muito
Que de mim agora afaga
Toda a tristeza do dia,
Que de mim a aurora faz-se cercania.

Sou gente como a gente,
Que sente a dor poente
Do sol
Se encravando na escuridão das horas,
Amanhecendo no rol
Das memórias de um tempo
Ah! Ausente.

Sou gente como a gente,
Que tem tudo pra ser alguém mais agradável,
E mesmo com tanta informação,
Não leva uma vida saudável.

Sou gente como a gente,
Triste, feliz, livre, doente...
O PIB bateu recorde, e eu aí pra ele?
E ele aí pra mim?
Meu país tem 60 milhões de pessoas na miséria
E minha vizinha Dona Etéria acredita que a vida vai melhorar.

Pois é, quem dera de Kardec ter lembrado da gente,
Ou Hórus, ou Buda, ou Cristo, ou os vegetais...
Deus assim nessas horas falta,
E a falta de água aqui em casa continua...
Pra ser exato são cinco dias e doze horas em que a rua toda não é abastecida.

Tá, tá! Melhor é esquecer.
Quê que a gente pode fazer?
Ir em frente e clamar justiça?
“A missa já vai começar irmão!”
E Deus me chama...

Sou gente como a gente,
Besta, fiel, crente...
A vida acena e assente,
Condena com expressão contente.

Sou gente como a gente,
Que fura o olho,
Que fura a casa,
Que têm em vista,
Que não tem nada.

Sou gente como a gente,
Que toma um gole,
Que é presa fácil
Que puxa o fole,
Que vai ao compasso...
Das vozes e consciências do todo,
Da nobre subserviência que a cada dia me joga ao lodo.

Sou gente como a gente,
Que não tem mais que um porquê,
Encontrar uma companheira, me ajuntar e ter filhos,
Viver com o que dá,
Bater uma gelada,
Jogar minha pelada
E um dia, quem sabe,
Fazer mais que um gol.

Monday, February 11, 2008

poema do amor ensaiado

A mim me animaria
esculpir os teus seios em minhas dobras das mãos,
A mim me animaria
esculpir os teus doces lábios
nos meus lábios versados sem refrão,
A mim me animaria
essas e muitas outras gerências,
Entretanto, não há agência
nas vias do coração.

A mim me custaria
acreditar na paz que me adorna agora,
A mim me custaria
amanhecer com você lá fora,
A mim me custaria
despedir-me de ti marcada a hora,
Entretanto, a aurora do dia
guiou-me à Cachoeira do Sossego,
onde renovada as energias,
enxerguei que meu tempo é hoje,
e sem hoje,
não haveria de sonhar com o amanhã.

A mim me bastaria
a eternidade no tempo da gente,
em que a gente pudesse assaltar o presente
para conosco viver ao lume de uma alegria poente,
A mim me bastaria
você e suas artimanhas,
suas entranhas, suas manhas,
suas manhãs, tardes e noites,
A mim me bastaria
o ocaso que me casa com a vida,
com a vida bandida
que vai e que volta
na horta de mim.

Ah! Meu coração é maior que os meus erros,
e estes erros, meu bem,
são espelhos do homem que sou
e que vou sendo:
menino, ancião,
adulto, astuto,
educado ao perdão.

Desde já,
ensaio aqui,
o sentimento à ti:
minha arte.

(2 de agosto de 2007)

Sunday, January 20, 2008

Melodia do dia

Domingo, melodia do dia,
Beirando à tarde,
Três poetas velosos,
Rugosos,
Se coçaram pra fabular
O que há
De gostoso no bojo da vida.

Música - gozo sem rúbrica.
Sol que se levanta
E acossa Hemingway em nós
Timbre de voz
Que assalta a vítima santeira
E enobrece a puta algoz.
(Gosto é de calor, companheira!)

Sem essa,
Meu turno diurno
Cabe na órbita de Saturno,
Assim astuto
diante de uma serpente.

Mulher é boa quando é quente,
Quando sente,
Quando tende
A ser só,
A ser só livre,
A ser única.

Túnica,
Por mais que eu tente,
Ela não me veste sem você.
Ora bolas!
Também não me estresso,
Amanhã, no meu expresso,
Haverá de ter sorvete com sabor quimera,
E a galera
Vai zoar de mim
Por eu estar metido em minha era
- primavera, uma flor nasceu aqui.

É você, morena.
É a noite que vem chegando,
Que vai me dando uma pequena
Aversão ao mundo.

Acho que é por causa das notícias que me chegam do horror das urbes:
Pela violência no trânsito,
Pelo desrespeito com que os funcionários das multinacionais,
e principalmente
os donos, tratam seus clientes,

Pelas correntes ortodoxas da Igreja,`
Pelas cervejas que não tomei ontem,
Por anteontem, dia em que não dei bom dia a pai.

Ah! Morena,
Bem vais ver,
Meu curso é rústico...
E veja você:
O tempo acendeu seu crepúsculo,
E os músculos do mundo
Ergueram o luar
Pra daqui de baixo da minha cabana
Eu, em chama,
Olhar
Você.