Monday, December 17, 2007

A noite do anarquista

Quando criança eu chorava feito à chuva, e vivia numa melancolia guardada. Aí que repararam em mim, e vieram dizer um dia que as coisas mudariam, e no fim tudo se ajeitaria e a gente seria feliz, e viveria numa bela casa com jardim e um quintal, um cachorro correndo pela grama e lindos quadros coloridos na sala de estar. Eu não duvidei. Foi tanto que meu pranto segmentou-se e correu por aí em desventuras de moleque. Aprendi a andar de bicicleta e comecei a sair só pelo bairro. Iniciava aí minha vida de aprontes: pulava o portão das casas pra roubar manga, espiava minhas coleguinhas de turma no banheiro, grudava chiclete na cadeira das professoras rabugentas, tocava a campainha das casas e corria sem que me vissem, tomava os iogurtes da minha irmã e ainda peidava na cara dos meninos mais novos. Fora um tempo de muita danação. Mas depois daí, depois que meus pais ganharam um dinheirinho e conseguiram comprar uma casinha, um cachorro pra mim, plantarem amendoeiras na frente de casa, e enfeitarem a sala... depois daí, depois que esse ínfimo sonho de papel se realizou, as coisas começaram a mudar numa velocidade célere. O fim, aquele lá que me garantiram, esse nem sei se já é passado ou se é futuro. Só sei que hoje a minha casa é tão sem graça, tão sem verde, tão sem latidos e risos e quadros e alegria. A minha casa hoje em dia é novamente melancolia, e o dia que vem por aí é pra mim como uma chuva que me faz chorar.

(escrito no dia 21/11/07, em meados de uma crise existencial e crua com o cinema)

Monday, October 29, 2007

A jornada noturna dos meus vinte anos

Fazia frio na jornada noturna em que eu adentraria à casa dos 20 anos bem-aventurados da minha espécie. Uns 5 graus. Lembro-me que Lex, companheiro-mor dos lotes pampeanos, me importunava em sua necessidade de terminar um trabalho de final de semestre em que aos alunos a professora delegou a missão de entrevistar um professor de ensino médio da rede pública. Ele, pra variar, fabulou uma entrevista com um tal de Ramiro ou pseudônimo do tipo, que agora não lembro, mas que tratava-se de um personagem existente nos devaneios de outro colega nosso do curso, o Paulista, que por sinal compactuou com esta entrevista, e urdiu a sua a partir de um outro personagem – este existente no imaginário lexeano. Eu, na verdade, tinha também dois trabalhos pendentes, que me custariam muito ordená-los, mas que por acordos bilaterais com meus pais consegui solucioná-los. Terminado o serviço pesado, fomos a um restaurante mexicano provar alguns tacos e receitas ardilosas que muito a nós naquele dia invernal pareceu supimpa. Acompanharam-nos duas damas, Madelaine Mooney, gringa yanqueeana apreciadora da geração beat, e minha digníssima concubina Marlene Dresslen, alemã ardilosa do leste. Não foi lá essas coisas todas, mas o jantar me saiu de graça. Minha querida amiga yanquee, com sua fortuna espiritual, me salvou de mais uma despesa na fatura do meu credit-card. Disse que se tratava de um presente. Ótimo. Depois, quando nos despedíamos, Marlene me presenteou com um pingente que tinha um elefante feito à pedra que ela havia ganhado de sua avó. Entendi aquele gesto como de muito afeto e carinho. Na verdade, ela tava meio aérea durante o jantar, e eu não comentei nada. Quando ela me entregou aquele pingente, eu realmente não esperava, mas depois lembrei que havia comentado com ela que aquele elefante me emanava uma coisa boa, uma idéia de ciclo e de vida próspera. Definitivamente, não fiz caso. Envolvi-a docemente em meus braços, e suspirando nos seus ouvidos, lhe disse:

- Esse elefante é o sinal da gente, é a nossa semente. O mundo é nosso, honey.

Apliquei minha última vacina canalhesca com um “Danke!”, que em alemão significa obrigado. Ela ficou louca. Beijou-me ferinamente. Despedimo-nos e elas seguiram num táxi. Aí voltei ao meu insólito apartamento acompanhado de Lex, e contei pra ele que minha prezada companheira de amor louco, Paz D´Assunção, lusitana coimbrense, havia me ligado durante o jantar, e por isso pedi licença para ir ao banheiro. Ela me cantou um dos seus fados, e me congratulou pela data festiva. Adorei. Fiquei felicíssimo. Lex se acabou em gargalhadas diante da minha cretinice.

Aí que nos chega Maria, amiga fiel das horas de todos os tempos. Traz-nos uma garrafa de cachaça da pior qualidade, e misturamos junto às outras bebidas de menor teor alcoólico. Enveredamo-nos pela noite entre conversas desconsoláveis, e devaneios perdidos. Eis que Lex em sua voz rouca e eloqüente, nos abre a porta da madrugada com versos de Cortázar. Descemos as escadas e surgimos sobre a cinzenta fatia da noite que nos castigava de frio. Maria, em sua lucidez trágica, inicia a correr pelas ruas como uma espécie de maratonista queniana do Sul. Eu e Lex, olhamo-nos surpresos, e depois de um breve e maldito comentário meu, caímos ao riso. Ele bate em meu ombro, e com a outra mão passa-me a garrafa de cachaça.

- Toma aí, che!

Olho para o sacana, e com ar de mais velho, lhe digo:

- Vamos correr também?

Sunday, July 01, 2007

O brio da noite

Hoje, a noite se abraçou,
E eu abracei uma flor
Que não murchou
Diante do sabor
Do frio.
Pois é,
Tem dia que há brio,
E outros um tamanho breu,
Que nenhum deus
Saberá dizer porquê.

Hoje à noite eu andei veloz,
Eu falei de nós,
Eu vi as ruas vazias,
Senti as mãos frias,
Mas sorri quando estive a caminhar,
Porque meus olhos alcançaram o luar,
Porque meus passos navegaram ao chão,
Porque minhas idéias abraçaram o meu coração.

Hoje à noite ela sorriu pra mim,
E eu vi que o fim
Está longe de começar,
Num lugar bem distante
Que não me ocorre agora pensar.

Hoje à noite,
Dia de São João,
Eu senti um gosto danado de Brasil,
Assim salgado, que nem caldo de feijão,
Senti também que não é o argumento
Do tempo
Que dá jeito na gente,
É a gente com jeito
Que faz o presente.

Hoje á noite
Eu me achei como poeta,
E um poeta dela,
Que desvela a ela
E a todos nós.

Aqui, minha poesia se entrega à foz
Do rio da noite,
Acreditando que assim como as palavras,
As águas merecem respeito,
E por isso levo no peito
Esperança
E uma lembrança
Duma noite em que a vida
Me abraçou de confiança,
E disse:
“Vai sonhar, meu rapaz! Vai, que esse sonho vai te ancorar de paz.”

Tuesday, June 19, 2007

O Brasil - país que me busca

O Brasil... o Brasil é um país de todos, um país sentimental, romântico. Eis o meu país, o país do futuro, de um passado trágico, de um presente ausente. O país das arenas políticas, das matas virgens, de índios selvagens, ingênuos, de negros poderosos, cheios de energia e vigor, acorrentados e humilhados, de brancos cruéis e sutis, moderados e astutos. O Brasil é o país do mestiço, da malandragem, do futebol, da umbanda, da feijoada, do churrasco, da cervejinha depois do trabalho, da passarinha, do arrumadinho, da caipirinha, da moqueca de camarão, do sururu, do caruru, do vatapá, do acarajé, do açaí, do chimarrão, da galinha cabidela, do abacate, da manga-rosa, da prosa afiada, da piada, do riso desgovernado, do governo mal-criado, do vizinho chato, do sincretismo, do abismo social, do asfalto, das favelas, do banho de canal, da lama, da fama, do caos, do carnaval. O Brasil é o país das misérias, da fome, da inveja, do egoísmo, do modismo, do achismo, da falta de delicadeza, da falta de educação. O Brasil é o país do sonho, do imaginário, do folclore, da festa de rua, do forró, do Rio Amazonas, da cantiga de roda, do partido-alto, do samba, do rap da quebrada, do cordel, do repente, do cinema-novo, do novo, o novo. O Brasil é um país novo, um país com cara de povo, que é refém de representantes elegantes, hábeis em se perpetuar no poder, atingindo-nos todo dia às 8 da noite nos seus telejornais. Tal como burlar esta imprensa burlesca, nós precisamos de mais. O Brasil não merece ser só isso. Merece o nada como antinomia, merece uma pimenta na cara desses coronéis donatários, merece uma bufa no nariz desses burocratas, merece uma revolução nas reitorias das universidades particulares, merece um assalto a diversos bancos, merece concertos de Nana Vasconcellos, merece Tom Zé no Planalto Central, merece Caetano, Gil, Betânia e Gal, merece Chico, merece Chico Science vivo na história, merece uma história diferente, um Sertão de veredas viáveis, de fartura, de ternura, merece um Lampião nos Pampas para derrotar aqueles latifundiários que se acham alemães e italianos de uma figa. Merece um Cartola em cada jardim, um Romário em cada chance de gol, um Reginaldo Rossi em cada desilusão, uma Adriana Lima em cada tapete vermelho, um Zé Celso Martinez em cada oficina, umas Clarices, umas Marias, uns Josés, uns Mários... merece um Durval Lôbo em cada fim-de-semana, um Mestre Bimba em cada ginga, um Villa-Lobos em cada acorde, um Guimarães Rosa em cada estância, um Castro Alves em cada praça, um Glauber em cada cinema. O Brasil merece mais, e por isso vai seguir em busca de muita coisa, de muita gente, e quem sabe... de mim.

Monday, June 04, 2007

Eu e as folhas

Eu escrevo a partir das dores de um tempo
De uma casa amarela,
Rígida como o vento
À insensatez do frio.

Eu escrevo diante das sombras
Do malefício causado pela guerra
Do desperdício de água,
Do vício em mágoas sob a Terra.

Eu escrevo com forma
Conforme as coisas me saboreiam e me desagradam,
Conforme eu esquento uma sopa
E anoiteço me desinformando.

Eu escrevo por acreditar nos homens
E por desacreditar,
Escrevo por onda de imaginar
Você, nós dois, o mundo inteiro,
Eu e as folhas.

Eu escrevo porque às vezes me parece tudo certo
E a maioria delas, tudo errado.
Eu escrevo porque canso vez em quando,
Porque cansei de narrar este fado.

Eu escrevo porque eu canto
E o meu canto é minha voz,
Minha estrada, meu caminho, a foz
Da alvorada que reivindica em mim o cômodo.

Eu escrevo por nada ser
Por nada e pelo ser,
Eu escrevo porque hoje me assaltaram meios segundos de felicidade
E me ocuparam como contraventor da moral e dos bons costumes
- coisa que muito me animou a perecer lutando.

Eu escrevo porque não há dinheiro em espécie que compre minhas idéias,
Meus restos,
Minhas sobras,
Minhas rédeas.

Eu escrevo porque não sou alegoria
De carnaval
Nem autor de um mundo elegante,
Sou apenas mais um escritor errante.

Monday, May 28, 2007

veredas

Oh!Menina,
Eu queria te levar pro sol do tempo
Pra que ele alumiasse a gente
Com graça,
Na praça, nas disgraça,
No convento, nos intentos
De fazer a vida bonita
pelo resto dos Tempo.

Ai, um rastro nos teus olhos de onda de mar
Me faz calçar o pensamento no couro do pé
Como aquele cheiro bom que a gente busca nas receitas dos cosméticos,
Como aquele gosto demais de gostoso das comida de vó,
Como tanta coisa nesse mundo que a gente procura e se envereda sem saber o porquê,
E que só de se perder
já é bom.

Tuesday, April 17, 2007

Axé

Trago aqui meu povo

Um canto novo,

Um canto de axé!

Axé!

Axé pra gente

Presente

Instância da Liberdade,

Bairro da Paz,

Ribeira, meu cais,

Cidade

Baixa

Dos Sapateiros

Cabula,

Mata Escura,

Umbuzeiro.

Salvador!

Um axé pra grande Salvador!

Terra de santo,

De fé,

Guerra num canto,

Noutro samba no pé.

Negro amor

Cor

Do calor

É a alegria

Fantasiar-se,

Viver.

Vem ver!

É novo dia.

Riso no atrito,

Sorriso do maldito

Senador da Bahia.

Jogo de poder,

Tristeza é perceber a hegemonia.

Beleza! O tempo bem conhece

E a gente acontece para a orgia.

Axé!

Axé e um peixe frito,

Marisco, moqueca,

Petisco, peteca,

Praia, brisa, mar,

Onda de imaginar

Um amor de verão

Ai axé!

Axé pra canção

Que vem embalar

O coração.

Axé!

Axé pra vencer,

Pra esquecer

A rotina,

A dor,

A menina,

O pudor.

Axé!

Axé pra entrar na capoeira

E fazer bonito,

Pra usar bem a rasteira,

Mas não esquecer de levantar o amigo.

Axé!

Axé pra gira,

Pra contar mentira

Como se fosse verdade,

E ganhar a mocidade

Com o prêmio

De boêmio

- contador de estórias.

Axé!

Axé pra que nossa trajetória

Siga em prol

Da vida,

Com saúde, tomando sol,

Provando doutras bebidas.

Axé!

Axé pra vencer o medo,

Pra ficar de boa,

Pra brincar de ser feliz,

Pra dar muito beijo,

Pra mudar esse país.

Axé!

Axé pra Zé,

Axé pra Val,

Axé pra bem

Axé pra mal,

Axé pralém dos absurdos,

Axé!

Axé porque hoje é dia de carnaval.

Confissão primeira de uma fêmea

Eu queria mermo era ser negona, ter uma bunda bem das avantajada, uma barriguinha de leve – que ninguém é cabide pra só levar roupa –, e um cabelo bem dos crespo esvoaçado.

Aí sim! Aí eu ia sambar fetio uma condenada, rastar meus pé sujo na roça de terra batida, e ia, por fim, chamar meu orixá!

Tuesday, April 10, 2007

BELISQUE

da escadaria
do tobogã
vejo o mundo
de cima pra baixo
simpático a fenomenologia
esperançoso pelo amanhã

na padaria
bem de manhã
vejo Raimundo
se enveredando na labuta
do dia-a-dia
desgostoso no percurso de volta da van

pois é
a dialética cabendo em cousas e foças
em louças e roças
em adventos
em gente
em pensamentos
na mente
do tempo...

leve-me daqui
pra ver se chupo picolé Maguari
pra ver se vejo vó contente
pra ver se animo minha gente
pra ver se sou feliz mesmo
assim como acho que vou ser.

ao futuro,
meu muro
de cores
rabiscado com:
BELISQUE O VENTO
SEU TORMENTO
DE MENINO
FRANZINO,
BELISQUE!

cheiro a todos

Thursday, April 05, 2007

lorotas fagia

1.
quem sabe
sabe
quem nao sabe
se acabe
de saber
que sabe
que se acaba
tudo na vida.
1.1
tudo na vida
que se acaba,
quem sabe
de saber,
se acabe!
quem nao sabe,
sabe.
quem sabe?

Monday, April 02, 2007

homenagem ao malandro 1 e 2

1.
Lá vem a bola,
o baixinho domina,
um zagueiro atrás, corre em sua cola,
Romário toca por cima
ao perceber o goleiro distante do gol,
que show
de jogada.

A bola não entra,
mas tudo bem,
pra quem já fez cem,
mil é daqui pra'li...

2.
(...) e ontem, o baixinho não saciou as nossas vontades.
Pois bem, Pelé que muito aguarde,
porque Romário é bicho solto,
cara sangue bom,
representante da malandragem
do meu tempo
e de muitos momentos
em que o Brasil
deixou de ser
lamento vil
da humanidade.

Thursday, March 29, 2007

-estado de nostalgia insuportável-

Eu vim da Bahia

Eu vim
Eu vim da Bahia cantar
Eu vim da Bahia contar
Tanta coisa bonita que tem
Na Bahia, que é meu lugar
Tem meu chão, tem meu céu, tem meu mar
A Bahia que vive pra dizer
Como é que se faz pra viver
Onde a gente não tem pra comer
Mas de fome não morre
Porque na Bahia tem mãe Iemanjá
De outro lado o Senhor do Bonfim
Que ajuda o baiano a viver
Pra cantar, pra sambar pra valer
Pra morrer de alegria
Na festa de rua, no samba de roda
Na noite de lua, no canto do mar
Eu vim da Bahia
Mas eu volto pra lá
Eu vim da Bahia
Mas algum dia eu volto pra lá.

grande Gil!

Friday, March 23, 2007

vaivém

vai,
e volta
na volta
do tempo
que sai.

vai,
e solta
o salto
que assalto
nos meus olhos
que Abrolhos não viu.

vai,
e leva,
que a leva
da vida
se encarrega
de ir,
de vir,
de partir.

vai,
e ama,
que a trama
de nós
somos nós
que fazemos
assim.

vai,
sem fim,
que em mim
cabe a arte
e em ti
a agonia num estandarte.

vai,
com alegria,
que o dia,
sai todo dia,
novo e derradeiro.

vai,
pelo mundo inteiro,
até que os teus pés superem as dores,
que as cores
de tuas meias multi-coloridas
escondem.

vai,
com fome,
levar teu nome
pra onde ele anseia ouvir.

vai e vém,
no trem,
no além,
pra mim.

vai,
que vim

pra ti.

Thursday, March 22, 2007

crú e cozido

crú

e cozido

tu

e teus amigo

sem graça

a praça

é do povo.

faz novo!

Friday, March 02, 2007

movimento

refaz
o dia de quase sempre
a menina jaz
no mérito do shopping-center
e o menino segue a brincar no banheiro,
vez em quando muda de ares,
e liga seu video-game para uma aventura sem picadeiro.

pois é,
a garota que costumo gostar,
segue a namorar
e me tem ao esquecimento;
pior seria se só uma fosse,
são várias.

é,
chega a noite
e a gente só dorme tarde.
a noite é boa,
esfria, esquenta,
alivia, orienta.

...

Zé,
aquele lá trabalha hoje,
amanhã e depois de amanhã.
vida difícil aquela!
queira Deus trazer
muito prazer
e bom humor.


é ingenuidade e também corrente
quem sabe a gente
muda o presente
e o futuro.
juro,
que no meu muro
escreverei teorema.

né,
João?
eu não te peço perdão
agora,
muito embora,
não posso olvidar-me de dizer-lhe:
obrigado amigo, muito obrigado.

praça da sé,
por quê toda cidade tem uma?
"haveria de existir tanta redenção!"
só assim o povo se libertaria,
acho que, enfim,
o autor
pensou assim
antes de compor.

e não dê ré.
viu?
gaste o bocado,
gaste o trocado,
gaste o gasto
da vida
e do coração.

aí não! ande a pé
dê ré
e volte a praça da sé
pra ver Zé
jogado em fé
por mané,
ou não,
ser ou não ser,
eis a questão...

castanho meus pêlos
se enveredam pela
horta do verão
e quanto mais gravo a versão de mim,
mais falsifico o estandarte,
mais omito a necessidade
de viver aqui,

no íntimo,
no público,
no rústico estado de liberdade,
Bahia ou putaria
qualquer
me cai bem,
se bem que de vez em quando
é bom mudar.

Sunday, February 25, 2007

João andava na rua... corria que nem um só. Pulava corda, jogava sete-pedras, chupava geladinho, pegava na bunda das meninas e ouvia lorotas dos velhos na esquina.
João era menino danado de esperto, só não gostava de ver sua mãe só, em casa, chorando aos cantos pela saudade que apertava quando Ramiro, pai do garoto, não aparecia aos domingos.
Pois é, João cresceu e foi correr mundo. Hoje é caminhoneiro, homem honesto e batalhador. Não tem mulher, mas quando aparece alguma em seu percurso é com respeito que as trata. E olha que João nem entrou pra igreja, nem precisou frequentar seminário ou nada disso. Pelo contrário, João gosta mesmo é de tocar uma viola, tomar seu cafézinho ao entardecer, comer um bom do arrumadinho na beira da estrada e folhear seu mais novo livro - o Livro dos Sonhos, de Jack Kerouac.

rubro-negro

minha mirada
é meu plano-sequência

minha amada
é de tanta reticência

ah! meu pranto
cai, mas esconde o orgulho

santo
eu não levo embrulho

nem juro
que vou te aceitar

mas duro
quero não acontecer no porvir de amar.

de lá de casa, de cá da estrada

o portão da casa,
a garagem esverdeada,
as janelas laterais,

a cozinha dos guardanapos, dos pratos,
dos panos de pratos
e das refeições,

os banheiros, o lavabo,
o tempo que se gasta e o tempo que se usa,
"Olha a água menino!"


o quarto,
da solidão e do aprendizado farto,
da rede de amigos, da libido e da angústia em não haver outro lugar pra eu vagar por aí,

a sala, a tevê,
a rotina e o simples prazer
em estar ali,

o quintal,
cachorros e o festerê dos finais de semana,
que tal, uma cervejinha antes do almoço?

é corrida a casa,
é corrido o mundo,
vaguei e me perdi, me encontrei, saí...

fui ver a vida debaixo dos trópicos,
e não me apetece os nórdicos,
mas carrego no umbigo humildade

pra volver
e orquestrar minha felicidade,
pra saber e pra disfrutar da mocidade,

hoje me achei no infortúnio
de não corresponder,
pois bem, amanhã almejo nos engrandecer,

e se valho a esperança
é então porque aqui cabe muita lembrança
do tempo em que fui irmão

e que fui filho,
do tempo em que os sonhos não floresciam na realidade
e que sequer se anunciavam as estações pra sorrir,

do tempo em que se comia menos besteira,
em que a gente inventava brincadeira
pra um só ao outro se fazer notável.

pois bem pai, pois bem mãe, pois bem rai,
eu reconheço a ausência dessa tinta de mim,
mas é que vocês também me ensinaram assim,

e hoje sou muito daquilo que vocês me construiram,
e que agradeço,
por zelo,

por uma singela forma de compor
a gratidão e o amor
que vocês me têm e me tiveram.

eu e vovó

As lendas de vovó
muito em nó
desataram
na melancolia
que me partiram
de nostalgia
no exílio.

Ao sul eu volto
e voltarei aqui,
ao meu canto,
um dia
e outros tantos,
para aí quem sabe
trazer vovó
pra cá,
pra ver poesia
na costa do mar.

Friday, February 23, 2007

agrestivos

- cabra agrestivo aquele que rogou perecer no tronco de Madalena. pouco sabia do envaidecer daquela fêmea.
-e era fêmea bixim?
- pois ora pois! e num era. era fêmea que nem tua mãe, aquela disgramada que conseguiu parir pra lá de uma cacetada.
- oxe home, fale assim de mãe não!
- ah! então pare de me atrapalhar de fabular. ói de lado que eu vou continuar de contar a estória pra Josias. viu Josias?
- oxe home! Josias já dormiu tem teeeempo...
- é, e tu nem pra avisar, né diacho?
- como que ia avisar? tu com esse tal fascínio pra ficar contando as coisa, sem querer que ninguém fale nada.
- mas avisar que o menino tava dormindo pelo menos tu podia, né?
- podia, mas tu parece mais um ditador quando a gente fala contigo.
- oxe diabo, queta vai! depois os outro que tão lendo esse caso vão achar que eu sou tirano mesmo.
- e tu né não?
- sou não. não te bato, não te espanco, não te abuso.
- mas me reprime.
- oxe, tá dodia é mulhé?
- tô dodia coisíssima niuma! quem é que não deixa eu falar o que penso na hora que eu quero? quem é, quem é? eu sou é mais uma dessas tuas personagens de fabulação que tu inventa e que sofre de amor, que sofre de angústia por não poder comer outra maçã, por não poder comer sequer maçã.
- queta mulhé! eu não quero que tu passe de mentirosa na frente dos outros não. isso não tá bonito não.
- tá vendo, tá? é pra isso que tu me quer. pra posar comigo. a mulhézinha arrumada, que fica de boca fechada, que não mente, que não trai e que certamente deve ser muito feliz e gozar contigo a noite inteira.
- ah diabo! agora tu vai ver quem é que não goza!

... e assim Nivaldo Sete Contos correu pra cima de Maria Belisca e a espancou num ritmo cinematográfico. Ele até sentiu tesão durante o ato, mas não resistiu ao fato dela noticiar sua morte masculina, ou pelo menos informações que nos levássemos a isso ou (a) quilo.

Formavam um casal bonito, como esse, como aquele, como tu e como eu, mas se desfez na reprodução de discurso e de ação. De versão machista, segregadora e que se repete mundo afora.
Hoje um imbecil qualquer perguntou pelo nordestinozinho de merda que escreve essas coisas daí de cima e daqui de baixo, e imprimiu mais uma vez sua postura racista em relação ao meu povo e a mim. Venho através de coisa qualquer me fazer agrestivo e dizer que pão não me falta - pelo menos nessa conveniência -, mas já me faltou vez em quando e que somos todos emergentes para manifestar, viver e sumir desse rodízio de orgias e congressos. E sem mais nem menos, sem lema ou sem egresso, escrevo. Com mais, com menos, com uma bagunça na cabeça, com uma porção de cabelo pra tratar, ou não, e com um rebanho de idéia pra prender e aprender. Enfim, bêbado pra carai, só venho aqui pra não dizer que fui jogado às matas virgens do anoitecer. Sou santo sem fé, de lá do Agreste, criado por mãe, por pai, por vó e por gente simples, que me ensinou a gostar da vida e que falou: "vai meu filho, vai criar juízo!"
... e assim eu criei um juízo da porra. Desses de sacudir as estruturas, e quiçá, explodir na atmosfera parabólica dos arautos. Eu só não quero ser pregador de ninguém, nem sequer de mim, roupa amarela e singela da menina dos olhos d´agua - Terra.
Sou rocha viva também e digo mais: quem procura acha um cachorro pra brincar de pique-esconde, seja na selva ou em casa. Melhor é sair pra ver o mundo lá fora daqui da cabeça, de uma câmera 35mm ou de um passeio experdicionário.

Valerá a gente gozar antes, entre ou depois?

Entre nego, entre negas!

Monday, February 05, 2007

baunilha com mangaba

pois bem
lua,
aquém
de qualquer rua,

eu caminho entre as nuvens
e seja lá por onde houver acaso
costuma ser no ocaso
que me acontece ver

você
numa canção
de constelação
maior que o meu anoitecer.

Thursday, February 01, 2007

Que Léo Goze O Existir

As cores deste fado
são dor
de limão
e amor
de mangaba.

Santo Amaro
gosto um bocado
e hoje viajei demais
na dela.

janela
de música
é sentir,
abrir
o coração.

ver gente
contente,
sem dente,
comendo pão,
tomando cerveja,
tomando na cara.

que tara
do povo,
ao novo
eu faço cinema
só pra ela
sem lema,
só, sem trela.

Luna, das cores
dentre os meus amores
hoje,
eis a mais bela.

a mais cheiro de fubá,
o mais ligeiro ônibus que eu pegar,
a mais, a menos,
o mais, o menos...
a menos extremista,
o menos grosseiro motorista.

Luna,
tão linda,
que veio, que vim
assim...
bem-vinda ao meu leve prosear!

cana-de-açúcar que ficou do caldo
dinheiro que zerou meu saldo
alegria
que valeu meu dia

e que virá amanhã
na van
de voltar pra casa
rasa
do acontecer.

viver
é bom
e é barato
é assalto
é dom

é dádiva
da luna
do céu...
que Léo
goze o existir.

Wednesday, January 31, 2007

Quem disse que um peidinho não mata ninguém?

Um peidinho na hora da gemidinha fazia bem a ela. Ele muito se esforçava, mas aquela dimensão do dia, da rotina angustiante de protocolos e mais protocolos retornava sempre à sua cabeça quando ela o cutucava pelas nádegas numa manifestação pedinte.

É minha gente, Ambrósio jamais foi o mesmo depois daquela noite. Sua mulher, Teresa, cansou por tanto insistir, e adentrou com três dedos nas terras já demarcadas dele. Aquele cú nunca tivera recebido uma energia tão forte. Ele chiou de só penetrar, mas o norte da reação veio ao juízo. O rapaz estapeou a mulher toda, latente, com a tora empinada como cobra naja. Depois a colocou de quatro e abriu sua alma com pisões nas costas. A mulher desvaneceu como rapariga de bordel, que renega o cafetão e ele vai lá e faz o serviço sujo. Pois é, Teresa foi aos céus.

Ave Maria, misericórdia! Tais aí o progresso do stress. Só por causa de um peidinho...

Sunday, January 28, 2007

discaração

sou discarado,
convicto ao sabor
do maracujá de minha pomposa terra.
feira do agreste,
lugar de muito caba da peste
que faz guerra
de repente
e contente
por só encher o buxo
de um tal luxo
- comércio.

pois é fogosa poesia
eu me chamo ousadia
e quero que essa trova
sem vergonha,
assim sem contrato social,
oriunda daqui do meu quintal,
venha a ser relevante
no seu dia.

eu quero paquerar sua filha!

* texto encaminhado à Alice Ruiz. hehehe! a filha dela é massa. humhehumhehum (agora risos de bandoleiro)

Três Notas

Eu só direi
Três notas da sua intolerância:
Preconceito
Paternalismo
Poder.

Quanto ao que ensejo no porvir,
Três notas ameaçantes à sua agência:
Se prepare
Se plante
Se pique!

A dialética é também putaria
seu fela de uma moral cristã!


* dedicado a todos os donos de postos de combustíveis e assaltantes dos movimentos sociais.

Saturday, January 27, 2007

Tome Nota

ói

eu disse a você um dia
que eu ia lhe levar daí

pois é
tome nota

eu vim praqui
foi pra varar a felicidade

saudade
crua

maldade nua você
eu ser

eu mesmo
sem grua

sem câmera
sem prêmio

Boêmio
Sou e serei

Amanhã hoje e depois de amanhã
Pois vã

Não é a lida
Que a mim

Me cabe
Levar você proutro lugar

Mais sujo mais belo
Mais cá.

Início

Vem de longa data
O amor que omito por eles;
É.
Quem sabe aprendo eu
Um dia
A olhar de baixo,
E acho
que aí,
O meu
Bloco de gostar
Vai cair do precipício.

Amizade,
Tolera
Minha galera
E trama
A sorte
Da gente que ama
Sem se dar conta
Da soma
De nós:
Início.

Monday, January 15, 2007

Leonisse


Dizem que ela voltará latinizada
Pode dexá!
Eu mesmo tratarei
De gozar em sua xereca esbranquiçada.
E em sua maçã de rosto suave
Voarei tal qual como ave.

Eu existo por rapina,
Aventuro minha sina
Pelo simples caminhar.
Leonisse - essa ousada prática de sarampantar.
Alemãs são maravilhosas
(quando vivem próximas aos trópicos).

Eu bem badejo,
Sou peixe entre guerra,
Famoso por minhas guelras,
E manso que nem ca(n)ção
De navegar.

Se hoje eu namoro,
É porque amanhã quem sabe eu possa casar,
Ou não!
Né não Caetano?

Macho já não sou,
Fêmea nem pensar.
Provedor é pra doutor,
Aqueles que se acham homens demais pra só estar.

Eu tô é em trânsito,
Em transe,
De boa, de boresta,
De barriga para o ar.
E invisto na luta dum dia
Esse machismo se findar.

Por enquanto vou-me ao lodo,
Esse de leoniar.
Assim cheirar cangotes
E avaliar os lotes
Que a vida me mostrar.

Sunday, January 14, 2007

À morena mais frajola da Bahia

Cordel de nós dois

Se a poesia de agora viesse leve
como você veio à mim,
eu, plebe,
gozaria por dois dias,
tal qual Boca do Inferno em Alecrim.

Cordel de nós dois inté que dá,
dá fruta mangaba, goiaba,
e uma porção de cajá.
Dá limão, pêra, melancia, laranja,
e o tal dito acalmante, maracujá.

Céu de nós dois aí é que brilha,
feito luar no alto do Sertão,
aceso, obeso,
de ilhas
numa constelação.

Nega frajola,
você aqueceu que nem um lampião
à Maria Bonita
uma trova
de paixão.

Cavalo meu vai,
vai em tropa e bandoleiro.
Pode ir agora
ou não querer ir ligeiro.

Cavalo meu vai,
vai com o tempo,
e caso haja vento,
que deixe-o levar pelo fado de fabular.