Tuesday, April 27, 2010

O Futuro

O futuro não é um muro feito de concreto,
tampouco é de cimento.
O futuro é construído com rugas, varizes, hemorragias, dores de cabeça, analgésicos.
O futuro é o mito do presente,
A perspectiva da imagem,
O vértice do horizonte,
A esperança na janela
O medo da morte,
A sorte, o terror.

O futuro é um saveiro no porto,
É um riscado na calçada,
Um cálculo com embriaguez,
Uma câmera-olho,
É um quarto em 2046.

O futuro são os sonhos ininterruptos,
As sementes e os germes,
Os Guantánamos e as Havanas,
As suítes e os trens,
Os vulcões, as trilhas, os aléns.

Há pouco me veio mais uma idéia do futuro.
Já foi,
Anoiteceu. Escuro é que deu,
Palavra dormida
Aurora revelará.

Wednesday, March 03, 2010

Manifesto da Saudade

para Indiazinha, com açúcar e com afeto.

Me conta, amor!
Como foi o teu dia,
Quantas vezes olhou pro céu,
Com quem esteve,
O que te aborreceu?

Me conta, amor!
Como foi na sorveteria,
Como dormistes,
Em quê pensastes,
Por quê chorastes?

Me conta,
Que aqui estou,
Aqui estive,
Todo este tempo,
Solitário e carente,
Fadigado e dormente,
Testemunha do vento,
Vento que tão belo resulta,
Tão majestoso,
É a cura pra essa falta d’agua,
É o alento de tanta gente,
Que sofre e vive,
Que morre e mata,
Por uma brisa, uma fresca,
Por um pouco de amor.

Ai! Quantos dias passaram?
Parece que são anos,
Uma eternidade.
Você sabe como eu sou,
Não computo bem,
Faço logo filme,
Aumento, invento personagem.

Me conta, amor!
Que aqui eu te conto também,
Hoje não fiz nada,
Nada de novo além de ajudar vó lavando os pratos da pia.
É verdade que estive com um amigo,
Que falamos da universidade,
De futebol e também do futuro,
Mas nada bonito e assombroso
Como as nossas palavras noturnas,
Como os nossos apelidos infantis,
Nossos gestos, nossos sonhos,
Nossos.

Eu queria te dizer bem mais,
Notas do mundo,
Que a fome teria acabado,
Que o Haiti não é aqui,
Que os States acabaram com o bloqueio à Cuba,
Que Caetano pediu desculpas à Lula.

Como eu queria te dizer que a revolução começara,
Que os nossos filhos sambarão em qualquer praça,
Em qualquer gueto,
Em qualquer favela.
Como eu queria te dizer que eu não me incomodo,
Que por você não tenho ciúme,
Que meu coração não sangra,
Mas como?
Se ele sangra e sangra,
E sangue é o que move o mundo,
É o que emancipa,
O que marca,
O que legitima.

Sangue nas veias,
Correndo solto,
Como agora eu corro
Pela madrugada,
Aceso,
Possesso,
Exú vestido de rei,
Ladino,
Latino em minha americanidade,
Do meu jeito levado,
No meu corpo cansado,
Contra todos e as correntes,
Contra os papas,
Contra os príncipes,
Contra os ex-amores,
Contra a fama e as titias da sala,
Contra os inimigos à paisana,
Contra os falsos amigos,
Os podres poderes,
Contra o tempo,
O Deus-Tempo que me fez pensar
Que o ódio e a indiferença
É recurso para os insensatos,
Que gente como eu,
Que tem querência aflorada,
Que sofre em disparada,
É gente que não merece viver para odiar,
Deve levar a vida assim por levar,
Mesmo que os dias não sejam grandes dias,
Mesmo que as notícias não sejam as melhores,
Mesmo que o grande amor não chegue logo,
E que o tempo pareça não contar.

Me conta, amor!
Que a paz ameaça ir embora,
Que o calor me apavora,
Que o sangue ferve,
Que as costas doem,
Que a terra treme
E o mar devora,
Devora-me.

Já não durmo,
Já não luto,
Já não escrevo.