Monday, December 17, 2007

A noite do anarquista

Quando criança eu chorava feito à chuva, e vivia numa melancolia guardada. Aí que repararam em mim, e vieram dizer um dia que as coisas mudariam, e no fim tudo se ajeitaria e a gente seria feliz, e viveria numa bela casa com jardim e um quintal, um cachorro correndo pela grama e lindos quadros coloridos na sala de estar. Eu não duvidei. Foi tanto que meu pranto segmentou-se e correu por aí em desventuras de moleque. Aprendi a andar de bicicleta e comecei a sair só pelo bairro. Iniciava aí minha vida de aprontes: pulava o portão das casas pra roubar manga, espiava minhas coleguinhas de turma no banheiro, grudava chiclete na cadeira das professoras rabugentas, tocava a campainha das casas e corria sem que me vissem, tomava os iogurtes da minha irmã e ainda peidava na cara dos meninos mais novos. Fora um tempo de muita danação. Mas depois daí, depois que meus pais ganharam um dinheirinho e conseguiram comprar uma casinha, um cachorro pra mim, plantarem amendoeiras na frente de casa, e enfeitarem a sala... depois daí, depois que esse ínfimo sonho de papel se realizou, as coisas começaram a mudar numa velocidade célere. O fim, aquele lá que me garantiram, esse nem sei se já é passado ou se é futuro. Só sei que hoje a minha casa é tão sem graça, tão sem verde, tão sem latidos e risos e quadros e alegria. A minha casa hoje em dia é novamente melancolia, e o dia que vem por aí é pra mim como uma chuva que me faz chorar.

(escrito no dia 21/11/07, em meados de uma crise existencial e crua com o cinema)